
O Ser do Teatro
“Há um vasto material cientifico que temos de procurar não só entender como também incorporar, de algum modo, à nossa compreensão e ao nosso trabalho.”
Robert Lewis
(...).
Ortega y Gasset diz que o ser da coisa é a estrutura que lhe permanece debaixo das modificações concretas e visíveis; o ser da coisa está ali, coberto por ela, oculto, latente. Advém daí a necessidade de dês-ocultá-lo, descobri-lo e tornar patente o latente.
Como ator, fui durante longo tempo submetido a dar voltas em torno da coisa teatro. Demorou demasiado para vislumbrar-lhe o âmago. Lembro-me em 1967, quando recém chegado a São Paulo, vindo do interior, participava de um grupo de jovens que ensaiava no palco do então teatro de arena. Um dia, durante um dos ensaios, com todos os atores tentando compenetrar-se ao máximo nos seus papéis, eis quando, de repente, passa o Sr. Boal por nós, olha de relance o que estávamos fazendo e sai murmurando: “não é nada disso!”. Não sei se todos ouviram a curta frase. Carreguei-a comigo um longo e penoso tempo. Foi um dolorido parto até o momento de entender o seu significado, pois era a constatação fria e amarga de que, por mais de quinze anos eu havia passado fazendo teatro sem ter captado a sua essência. É tempo perdido demais.
Comparo essa primeira etapa da minha vida no teatro, que começou a desmoronar justamente a partir daquela pequena frase explosiva, com o relato de chaikin, em sua peregrinação desde os teatros escolares e os cursos e peças das quais participou em Nova York, até às representações no papel de Galy Gay, do texto de Brecht “Man is Man”. Num determinado momento da peça a personagem se vira para a platéia e pergunta: “Quem sou eu?”. Chaikin segreda que esse momento da representação passou a incomodá-lo profundamente, dando-lhe aos poucos a consciência mais clara da responsabilidade de vir para uma platéia e falar diretamente para as pessoas que ali estavam, revelando que até então ele tinha dito a essas platéias coisas em que ele não acreditava.
Não gostaria hoje que os jovens que começam perdessem tanto tempo quanto eu perdi, na periferia da área de sua escolha.
O ser do teatro está ali, plantado, latente. Temos que continuamente dês-ocultá-lo, descobri-lo e tornar patente esse ser latente.
(...).
(Extraído do livro “A Aprendizagem do Ator” de Antônio Januzelli, Janô. Editora Ática 1996.).
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